Discoteca Oneyda Alvarenga recebeu exposição e roda de escuta com Reginaldo Prandi em degustação de discos em 78 rpm sobre música afro-brasileira
Desde sua fundação, em 1935, a Discoteca Pública Municipal (hoje Discoteca Oneyda Alvarenga) tinha como principal objetivo promover o acesso a músicas “que pareciam estranhas aos ouvidos leigos”, com a intenção de contribuir para a renovação da música nacional, formando uma geração de músicos e compositores, capazes de produzir uma música “verdadeiramente nacional”. Oneyda Alvarenga, pesquisadora e primeira diretora da Discoteca organizou, a partir de 1938, os famosos Concertos de Discos, em que apresentava no Theatro Municipal discos pouco procurados pelo público.
Em comemoração aos 80 anos da Discoteca Oneyda Alvarenga, no dia 23 de agosto de 2014 o Goma-Laca lançou uma releitura dos Concertos de discos da Oneyda, a Roda de Escuta. Duas horas antes do lançamento do disco “Goma-Laca Afrobrasilidades em 78 rpm”, nos encontramos na Discoteca para escutar os discos originais contribuíram para o desenvolvimento do projeto, com a participação do sociólogo Reginaldo Prandi. Em roda, ouvimos discos de Candomblé, Macumba e Umbanda em 78 rotações, além de sambas que trazem elementos da cultura dos Orixás em sua composição. O encontro contou com a presença de pesquisadores, colecionadores de 78 rpm e músicos.
Professor do Departamento de Sociologia da USP, Prandi profundo conhecedor da sociologia das religiões brasileiras e é autor, entre outras obras, da Mitologia dos Orixás, Segredos Guardados, os Candomblés de São Paulo,1991 (download aqui). Durante a Roda, Reginaldo Prandi vai conversou sobre como a música sacra do candomblé entrou na indústria fonográfica na década de 30, as Tias Baianas e a Pequena África no Rio de Janeiro, perseguição e resistência nos terreiros, apropriação dos elementos da cultura afro-brasileira na música popular.
Ouça aqui a gravação da Roda:
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1. Yaô Africano (Pixinguinha e Gastão Vianna)
Patrício Teixeira – 1938
Akikó no terreiro
Tendo adié
Faz inveja a essa gente
Que não tem muié
No jacutá de preto-véio
Há uma festa de yaô
Lá tem nega de Ogum
de Oxalá, de Iemanjá
Mocamba de Oxóssi (Ê caçador!)
Ora, viva Nanã, Nanã Borocô!
Ki ô, Ki ô
No terreiro de preto-véio, Iaiá
Vamos saravá
A quem meu pai?
Xangô!
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2. No terreiro de Alibibi (Gastão Vianna)
Conjunto Tupi – 1932
*transcrição de Reginaldo Prandi
Ore ô
Obá lá ó jé iró
Aunmjé, umjé-ô
Aunmjé, umjé-ô
Iri ta va mucan
Firi ta va mucan
Dje um jerê
Aunjé, unjé-ô
Dje um jerê
Aunjé, unjé-ô
(bis)
É na lei de umbanda
que a mina malê que a mina manda
(bis)
Preto velho vira a mão
Trabalhando na corimba
É na lei de umbanda
que a mina malê que a mina manda
(bis)
Preto velho é respeitado
Só por causa da mandinga
É na lei de umbanda
que mina malê que a mina manda
(bis)
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3. Caboclo do Mato (Getúlio Amor Marinho e João da Bahiana)
J.B de Carvalho – 1937
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4.Caboclo Africano (Zé Gonçalves e Zilda Gonçalves)
Jorge Veiga – 1946
Eu nasci no morro do Salgueiro
Num batuque no terreiro, numa noite de luar
Minha mãezinha no dia que eu nasci
Me levou lá na tendinha e me deu um parati
Depois do samba, com três dias de nascido
Me levaram na igreja, mandaram me batizar
E o seu vigário disse logo isso eu não faço
Vá primeiro na macumba pra Xangô lhe abençoar
O macumbeiro começou a macumba
Deu na pedra, deu na faca, néris do santo chegar
Daí a pouco depois que o galo cantou
Veio Ogum, veio Xangô, Arranca Toco e Oxalá
O feiticeiro que estava manifestado
Ficou muito admirado em ver tanta cortesia
Depois da cerimônia terminada
É que chegou me protetor que é o Caboclo Ventania
Que me protege hoje em dia
Toda esta gente que não crê na lei de umbanda
Que ainda quer botar demanda
Perde sempre na questão
Vive sempre com a vida atrapalhada
Está sempre castigada sem saber qual a razão
Antigamente eu fui descrente, até zombava
Porque não acreditava já sofri muito também
Porque o Caboclo Africano verdadeiro
Quando baixa no terreiro
Não faz graça pra ninguém
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5. Eu vou lá no Candomblé (Antonio de Almeida)
Aracy de Almeida – 1941
Todo mundo tem inveja de mim
Que culpa eu tenho de ter nascido assim?
Vou ver se arranjo uma Figa de Guiné
Eu vou lá no Candomblé
Eu vou lá no Candomblé
Vou implorar ao meu santo protetor
Pra me livrar do mal-olhado
Dessa gente que só quer me ver penar
Eu não aguento mais
Pois já estou na quebradeira
Ai, ai, meu Deus
Já não posso mais viver dessa meneira
*
6. Man Feri Man (Jorge da Silva)
Jorge da Silva e seu Terreiro – 1956
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7. Dentro da Toca (Motta da Motta)
Motta da Motta – 1931
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8. Rainha de Angomate (Sussú)
Sussú e seu grupo – 1957
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9. A lenda do Abaeté (Dorival Caymmi)
Dorival Caymmi – 1948
No Abaeté tem uma lagoa escura
No Abaeté tem uma lagoa escura
Arrodeada de areia branca
Arrodeada de areia branca
Ô de areia branca
Ô de areia branca
De manhã cedo se uma lavadeira
Vai lavar roupa no Abaeté
Vai se benzendo porque diz que ouve
Ouve a zuada do batucajé
Do batucajé
Ô do batucajé
No Abaeté tem uma lagoa escura
No Abaeté tem uma lagoa escura
Arrodeada de areia branca
Arrodeada de areia branca
Ô de areia branca
Ô de areia branca
A noite tá que é um dia
Diz alguém olhando a lua
Pela praia as criancinhas
Brincam à luz do luar
O luar prateia tudo
Coqueiral, areia e mar
A gente imagina quanto
A lagoa linda é
A lua se namorando
Nas águas do Abaeté
No Abaeté tem uma lagoa escura
No Abaeté tem uma lagoa escura
Arrodeada de areia branca
Arrodeada de areia branca
Ô de areia branca
Ô de areia branca
De manhã cedo se uma lavadeira
Vai lavar roupa no Abaeté
Vai se benzendo porque diz que ouve
Ouve a zuada do batucajé
Do batucajé
Ô do batucajé
O pescador deixa que seu filhin
ho
Tome jangada, faça o que quiser
Mas dá pancada se o filhinho brinca
Perto da lagoa do Abaeté
Ô do Abaeté
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10. Feitiço da Vila (Noel Rosa)
João Petra de Barros – 1934
Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos,
Do arvoredo e faz a lua,
Nascer mais cedo.
Lá, em Vila Isabel,
Quem é bacharel
Não tem medo de bamba.
São Paulo dá café,
Minas dá leite,
E a Vila Isabel dá samb
a.
A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
Transformou o samba
Num feitiço decente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste
Samba não a**iste
Porque a gente implora:
“Sol, pelo amor de Deus,
não vem agora
que as morenas
vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
sei por onde passo
paixao nao me aniquila
Mas, tenho que dizer,
modéstia à parte,
meus senhores,
Eu sou da Vila!
*
Para aquecer:
Artigo “Música de Fé e Música de Vida: A música sacra do candomblé e seu trasbordamento na cultura popular brasileira”, de Reginaldo Prandi, publicado no livro Segredos Guardados: orixás na alma brasileira (2015). Para realizar sua pesquisa, Prandi produziu um extenso levantamento sobre os orixás na música brasileira, em que reúne 761 letras de músicas com referências a orixás e outros elementos da cultura afro-brasileira, produzidas entre 1902 e 2000.
Site “Do Afro ao Brasileiro: Religiões Afro-Brasileiras e Cultura Nacional – Uma abordagem em Hipermídia”. A pesquisa dos antropólogos Rita Amaral e Vagner Gonçalves da Silva (USP) também analisa aspectos das religiões afro-brasileiras na música popular, no capítulo Foi conta pra todo canto. Música popular e cultura religiosa afro-brasileira.
RODA DE ESCUTA – AFROBRASILIDADES EM 78 RPM, com Reginaldo Prandi
23 de AGOSTO de 2014- 17H30
DISCOTECA ONEYDA ALVARENGA
MEDIAÇÃO: Biancamaria Binazzi