Em um cenário de racismo religioso e perseguição às práticas da umbanda e candomblé, Elsie Houston se interessava pela “macumbaria” divulgando nopalco, no rádio, em conferências e no jornal a importância das tradições de matriz africana na identidade musical e cultural do Brasil. A melodia que Elsie apresenta no livro teria sido ensinada por uma “cozinheira negra” no Rio de Janeiro. Foi gravada (mas não lançada) em 1939, nos Estados Unidos (Liberty Music Shop). A poderosa gravação, em que louva o orixá da justiça enquanto o piano trovoa obstinado, sobreviveu inédita em disco de acetato no arquivo do amigo e fotógrafo Marcus Blechmann até ser finalmente lançada em 2003 nos Estados Unidos no CD “Queen of Brazilian Song (Marston). / Publicado originalmente em goma-laca.com
Os caminhos de Xangô dariam um livro por si só. Há no mínimo um século, compositores têm se debruçado sobre o tema e revelado luzes e sombras pelas harmonias, passeios melódicos, experimentações rítmicas, salões e terreiros. Gallet expandiu e incluiu nos seus cadernos, Elsie cantou à luz de velas e gravou para a história, Mário anotou e não economizou elogios, Villa deitou e rolou em versões para piano e voz, para cinco vozes, para orquestra. O primeiro provavelmente foi Heitor Villa-Lobos, que, em 1919, criou uma harmonização para voz e piano publicada nas “Canções Típicas Brasileiras” e dedicada a Elsie Houston. A versão foi gravada em 1928 na França pelo barítono gaúcho Andino Abreu acompanhado por Lucília Villa-Lobos (Gramophone).
Xangô também foi comentado por Mário de Andrade no Ensaio sobre a música brasileira (1928), lido por gerações de músicos e compositores como um manual-manifesto para a atualização da música nacional, a partir “do estudo e do amor” pela música tradicional popular. A correspondência de Mário com o compositor Luciano Gallet dá sinais de que ele teria escutado o tema de um certo “Dodô” e passado para Gallet fazer uma nova “ambientação” (BRUM, 2017). Naquele mesmo 1928, Xangô é escutado em recitais de Julieta Telles de Menezes, cantora folclorista pioneira como Elsie Houston.
Hoje, quase cem anos depois, a composição sofre resistência e preconceito em uma das mais importantes escolas de música do país. A Escola Nacional de Música da UFRJ foi a primeira no Brasil a criar uma cadeira de Folclore, em 1939, por Luiz Heitor Correa de Azevedo. Como Elsie Houston, Villa-Lobos, Mário de Andrade, Luciano Gallet, Luiz Heitor sabia da importância de temas como “Xangô” na formação cultural e social do país.